LAZER 28 de abril de 2016

A Minha Praça É Nossa

Man sitting on a bench under a tree

Carlos Alberto de Nobrega faz 80 anos nesse ano, mas a Praça é Nossa, na verdade é Minha aqui na Australia. Sou um Carlos Alberto da vida real.

O meu banco é uma mesa de segunda mão estrategicamente localizada no centro do apartamento o qual divido com quatro personagens. Além deles, há participações especiais que são as amigas da garota que estou ficando aqui.

Não importa o dia da semana, nem o horário, há sempre uma forma de ter a minha individualidade estuprada até nos momentos mais íntimos. Semana passada a coisa foi intensa e explica, em partes, porque estou há tanto tempo sem postar.

Era um domingo e estava exausto do trabalho ao longo da semana, tudo o que eu queria era comprar um bom vinho e cozinhar algo diferente, no caso uma farofa de banana com purê de beterraba e frango grelhado ao molho de mostarda (que ficou foda). Começou que ao procurar minhas taças, só havia uma, as outras foram quebradas, restando apenas algumas vagabundas com motivos natalinos. Tudo bem, era um detalhe e ignorei aquilo.

Os personagens estavam na sala ouvindo música eletrônica chata e bebendo, por isso me tranquei na cozinha, coloquei um jazz e mandei ver no preparo.

Assim que comecei a servir, parece que eles vieram pelo cheiro e três juntos, semi-bêbados começaram a elogiar o prato, questionar o que eu tinha cozinhado apontando para a comida e puxando assunto (com o claro intuito que eu oferecesse o que mal servia pra mim e pra garota). O prato esfriava, enquanto tentávamos manter a educação e interagir com os personagens.

Após terminar a refeição, percebemos que minha casa não seria o lugar ideal para terminarmos a noite, por isso seguimos para a casa da garota a fim de ter uma noite tranquila (na verdade de dar uma trepada sem ter o risco de alguém atazanar). Chegamos no lugar e a casa parecia um mix de templo budista, velório e casa de pai-de-santo. As personagens especiais que moram na casa da garota ouviam sons da natureza, traziam adornos budistas e velavam homens que estavam mortos no sentimento (deles).  O cheiro de incenso era de matar e a qualquer momento eu imaginava alguém batendo tambor com o ere no corpo. Ali definitivamente não seria o lugar para transarmos e acabamos indo dormir.

Dia seguinte eu tinha que entregar um exercício do curso que estou fazendo e pra isso precisava de máxima concentração em casa. Fui cedo pra preparar meu café da manhã e focar na tarefa. Entrei em casa e um dos personagens já estava acordado preparando café da manhã. Esse cara é um caso a parte, formado em Fisioterapia e chato de nascença, ele adora fisiculturismo e passa os momentos ociosos em casa assistindo vídeo sobre musculação, dieta, homem puxando peso e tal. Não satisfeito, ele precisa compartilhar (ao vivo) tudo o que assiste de curioso . Nessa manhã tomei uma saraivada visual de músculos, shakes e treinos. Ele partiu para o trabalho e assim consegui voltar para o exercício, mas com o cérebro contaminado por músculos e dietas.

Quando estava na metade, apareceu o cara que divide quarto comigo. Ele é gente boa, mas acabou de chegar no país e mal sabe por onde começar. Pediu minha ajuda para arrumar/fazer o currículo dele e na sequência começou a conversar com a mãe.  Tentei voltar ao trabalho, mas não tinha como me concentrar, mesmo de fone eu ainda o ouvia conversando com a mãe, as vezes alternando a voz com jeito de bebe e contando fofocas (e como eu gosto de fofoca involuntariamente meu cérebro preferia esse assunto a pensar em cálculos).

Consegui adiantar o que pude e o dia voltou ao normal. À noite, aproveitando que o meu roomate estava em aula, convidei a garota pra ir em casa tomar um vinho (na real era uma desculpa pra ir pro quarto e tirar o atraso). Aqui vale uma pausa, naquele dia o gerente do apartamento fez algumas mudanças na casa, colocou alguns armários, tirou outros e fez uma pequena bagunça nos quartos. Eu ignorei o fato, mas não o chato da casa.

Quando estava quase finalizando o ato com a garota, ouvi alguém reclamando na sala, o chato. Tentei ignorar, mas de repente ele começou a bater na porta do meu quarto. Tentei mais uma vez ignorar, mas não tinha jeito, o barulho aumentava e com medo dele abrir a porta, perguntei o que ele queria. Ele perguntou se eu sabia quem tinha feito a bagunça na casa, dei uma leve brochada pedindo gentilmente que ele ligasse para o gerente e não me enchesse o saco. Consegui recuperar a concentração e finalizei.

Não me levem a mal, não sou um chato individualista e apesar das críticas eles são pessoas do bem e ajudam a quebrar os momentos depressivos por estar longe da família e amigos. Só que há momentos que eu apenas gostaria de ficar sentado no banco da praça lendo o meu jornal, sem que a velha surda, batoré e patropi sentem do meu lado.

Certa vez li uma dessas correntes babacas com um suposto texto do Chaplin (mas que é do Sean Morey) que a vida deveria começar de trás pra frente. Aqui traduzido:

“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria     Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo”

Parece genial, mas estou vivendo parte desse retorno. Morava sozinho, tinha um carro e planejava casar um dia, como a maioria dos homens na casa dos 30. Agora divido apartamento,  ando de transporte público e não tenho plano algum de casar, como a maioria dos homens na casa dos 20. É, o texto de Morey não é tão genial assim.

(Enfim, vou tentar postar com mais frequência, tenham paciência com o Carlos no seu banquinho J ).

  • Erika

    Excelente texto como sempre!
    Deve ser difícil não ter sua privacidade… Quem acompanha vc sabe o quanto a sua vida mudou… Mas espero que vc consiga tirar um grande proveito disso. Talvez vc já esteja casado e nem se da conta disso… Casado com a vida!
    Mais uma vez, não nos deixe orfãos! Poste pelo menos pra dizer que está tudo bem!

    Toda sorte pra vc!

  • Erika

    Só pra constar:
    Vc não faz ideia de como fico contente de ver um alerta no meu e-mail logo pela manhã que vc postou algo!

    :*

  • Lilian Bueno

    nossa Cafa, toda vez que leio seus novos textos, fico com dó de vc… primo tanto pela minha individualidade e privacidade que acho que já teria cometido um homicídio numa situação dessa… Parece-me que vc está fazendo tudo ao contrário mesmo… deixou “tudo” pelo “nada” a ser reconstruído e, espero que tenha sorte pq trabalho e coragem tens de sobra… bjo… some não!!!

    Ps: achei que tinha morrido kkkkkk e eu nem ficaria sabendo… :-)

  • lika

    Caaafa,
    Não suma por favor, sou sua mega fã. Abro todos os dias o site pra ler os comentários e ver se vc atualizou.
    Bjs

  • Natacha Szmidke

    Cafa posta a receita do seu jantar! 😉

    • http://www.manualdocafajeste.com cafa

      Um dia 😉

  • Aline Gontijo

    Sempre curtindo esses post. Mas tu ta sofrendo demaiss ai Cafa ahahhahaha
    Tadinhooooo

  • Rafaela Zanella Moraes

    Cafa, ganhei a noite com seu texto, não suma das suas leitoras fiéis!
    Então, sobre o exposto quero te dizer o seguinte, assumimos responsabilidades muito antes de estar preparado e acabamos pulando algumas etapas,
    Você mesmo disse que tinha uma vida boa e que hoje eu tudo mudou, mais são essas mudanças que irão te transformar, para quando chegar nos “30” novamente, você conseguir curtir a vida boa que você merece!
    Boa sorte aí e não some por favor!!
    Ps* Farofa de banana é sagrado em Cuiabá!

  • Gaby

    Que boas essas receitas
    Ja procurei aqui vou ver como fica ?
    Qdo tou meio bad gosto de ver filminhos Interessantes
    Bjs boa sorte

  • Flora

    Farofa de banana é vida! *__* ahahaha

    Deve ser difícil mesmo pra quem morou tanto tempo sozinho voltar a dividir apto. Percebo que a maioria dos homens que me relacionei e moravam sozinhos eram cheios de regrinhas, manias e costumes próprios na vida doméstica. Morar sozinho faz vc se acostumar a ter sempre as coisas do seu jeito. O que pode te tornar o “chato” na hora de morar com outras pessoas novamente.

    Força aí, cafa! Rsrs

  • Elaine

    Mas com certeza você prefere esta vida agora. Tudo tem prós e contras mas pelo jeito os prós estão sendo muito bons. Espero que logo você possa dividir o apartamento apenas com alguém menos chato.

  • mariana cobra

    E vc tá feliz assim?

    • http://www.manualdocafajeste.com cafa

      Feliz, feliz não. Porém, está melhor que os últimos anos morando no Brasil.

  • Débora Cardoso

    Pois éh Cafa o problema é que vc deixou pra fazer esse “intercâmbio” muito tarde. Isso dai é bom pra quando se tem vinte e poucos anos acabou de se formar na faculdade (ou ensino médio) e quer novas experiências num país diferente.
    Você está em outro nível de maturidade, esses seus colegas de quarto querem curtição, beber, transar, beber, vomitar, transar, beber como se não houvesse amanhã.
    Cafa o custo para se alugar um apartamento, mesmo que modesto, ai na Austrália é muito alto? Talvez se vc morasse sozinho se sentiria bem melhor

    • http://www.manualdocafajeste.com cafa

      É caro pra cacete. Pra morar sozinho sem ter que tocar nas minhas economias, eu teria que ir pra bem longe do centro, não rola.

  • Aline

    Oi Cafa, fiquei tão feliz que você voltou, li tudo, e nossa, como sua vida mudou. Espero que você esteja feliz aí, isso que importa!
    Sou leitora antiga, não sei se você lembra de mim, eu sempre estava nos comentários. Uma vez ganhei um prêmio no blog, o concurso era a maior prova de amor, uma coisa assim, é quem escreveu o texto foi meu namorado, ganhamos um perfume cada um. Estamos casados faz 4 anos e temos uma filha de 10 meses.
    Amo o blog, e não deixe de escrever, bjos e boa sorte!

    • http://www.manualdocafajeste.com cafa

      Que legal! Claro que eu lembro. Bem bacana ver leitora “antiga” por aqui =)

  • Monique Misael

    Estou a quase um mês (desde o seu ultimo post) me perguntando o motivo do seu sumiço. Eis que você faz um post inteirinho contando exatamente sobre isso (risos).
    Desde que você chegou na Austrália houveram várias adversidades e você tirou todas de letra, logo as coisas melhoram. Espero que você encontre um lugar mais sossegado, por mais que seus colegas sejam pessoas do bem, parece que é meio difícil conviver com eles.
    Tomara que o próximo post não demore tanto, estou adorando ler sobre suas experiências.
    Abraços.

  • http://www.acatolica.com/ Ana Paula~a catolica

    Saudações de BH!!

    Você é um baita escritor, Cafa! Me lembra ‘Charles Bukowski’ – só que um pouco mais elegante.

    Você estende a sua mão aí do seu banco, a gente dá a nossa e nos leva pra assistir, de uma vista privilegiada (seu texto), às venturas de sua vida aí na terra dos “Pássaros Feridos”.

    Sim: você leu certo. VENTURAS, e não “desventuras”.

    Até onde você permite e minha vista alcança aqui de Minas Gerais, sua vida é infinitamente Mais Interessante do que se você “morasse sozinho, tivesse um carro e planejasse se casar”.

    Como mãe de um rapazinho lindo de 4 anos de idade e sendo obrigada a frequentar diariamente a escola dele, também até onde me permitem e minha vista alcança, eu o afianço, Cafa: ô vida Chata a de um pai de família médio e burguês, viu?

    Todos na faixa entre os 30 e os 40, e a exaustão, o tédio e o desespero já estão estampados – ninguém consegue disfarçar!

    Seguir o script da “faixa etária” e fazer o que todo mundo faz não é Receita de Felicidade.

    Portanto, respire tranquilo aí com sua escolha impetuosa, que a gente vai se deliciando daqui com suas histórias tão bem-contadas!… (E quando seu “retorno” chegar na parte do “orgasmo” não deixe de dizer em que “posição” foi!!!)

    Beijos e Fique com Deus!!

    ~~~

    • http://www.manualdocafajeste.com cafa

      Hahahaha. estou bem longe dele, mas sem dúvida é minha inspiração. Obrigado pelo estímulo, Ana.

      • http://www.acatolica.com/ Ana Paula~a catolica

        Jura? Você o conhece? Conhece o trabalho do Bukowski? Bem que eu “captei” a inspiração!…
        (Mas, fique tranquilo, que não passa de inspiração: você já tem sua própria assinatura.)

        Por um tempo a TV a Cabo aqui no Brasil disponibilizou um ÓTIMO documentário sobre sua vida: “Born into This”, que traz depoimentos de gente como Bono Vox e Sean Penn. Mas o próprio Bukowski lendo seus poemas viscerais já paga a pena. E também saber como ele sofreu (literalmente) nas mãos do pai e “pagou o preço” de insistir na sua vocação de escritor, até que o sucesso finalmente acontecesse, com ele às portas da velhice:

        “As loiras ‘apertadas’ chegaram tarde demais”, desabafou.

        Acho que está disponível no YouTube.

        Enfim, outro Beijo e… Como diria o poeta de “Bluebird”, não deixe a centelha apagar:

        “find what you love and let it kill you”!

        Fique com Deus!!
        ~~~

  • Gabriela P

    Espero que essa maré passe! Fica bem, cafa!

  • Indy

    Cafa, comento para te motivar a postar sempre!! Tenha o blog como um refúgio seu, como um melhor amigo que vc conta tudo e não corre o risco de ele abrir o bico após um desentendimento!! Força sempre!! Estou me atualizando aqui dos últimos posts!! bjs