Quero ser um influencer

A minha diversão (e pequeno sofrimento) ao despertar e tomar café da manhã é dar uma fuçada nas minhas lembranças do Facebook. Quase 80% das publicações de 5 ou 8 anos atrás me dão um sentimento misto de saudade e vergonha por tanta bobeira publicada e oversharing. Lembro que naquela época eu adorava fuçar blogs, páginas do Orkut, perfis do FB e por ai vai. Hoje me sinto um eremita digital, mas tenho meus motivos.

Minha conta no Facebook está largada. Tenho uma no Instagram que curto postar vez ou outra alguma foto “artística”. As vezes entro na busca do aplicativo pra ver se encontro algo legal, mas tirando alguns perfis interessantes de fotógrafos, sou engolido por uma avalanche de barrigas trincadas, peitos e bundas, menina empoleirada no menino fazendo pose de yoga no meio da areia, brincadeira babacas com ilusão ótica e o menino esmagado no deserto de sal pela gigante menina e por ai vai.

Tirando esse chorume visual, o pior são os ~influencers~. Em muitos casos, pessoas sem nenhum compromisso com o conteúdo que encontraram um bom nicho de mercado para ganhar audiência e consequentemente dinheiro (ou então permutas).

Dia desses dois casos me chamaram a atenção, obviamente que ambos chegaram a mim pela minha janela com o mundo digital, minha namorada.

Semana passada estava na seca de filmes e seriados, na busca incessante no IMDB por algo que preste, quando ela veio cheia de dedos comentando que tinha uma série que todo mundo estava comentando, que é super legal, e blablabla. Chama-se La Casa de Papel.

Li o resumo e me deu aquela sensação de deja vu mesclada com preguiça. Dei uma chance para o primeiro capítulo de 1:20 de duração. Assim que começou a trilha sonora sem fim pra prender a atenção, jogos de câmera e takes típicos de besteirol americano e uma cena que parecia a escolinha do professor Raimundo da bandidagem eu tive que parar. Foram 40 minutos da minha vida que nunca voltarão.

Tentando ser muito amável eu perguntei aonde ela tinha lido que aquilo era bom e ai surgiram nomes de influencers. Como já trabalhei com isso, provavelmente eles ganharam uma grana para fazer a “recomendação”, ou pior, simplesmente não possuem critério algum para recomendar uma série/filme.

Porém, o caso que mais me incomodou foi o de Bonitinho (esconderei sua verdadeira identidade) que certa vez minha namorada comentou ser um perfil que eu deveria analisar.

Por obra do destino, trabalhei com Bonitinho muuito tempo atrás. Naquela época ele fazia um sucesso absurdo com o sexo oposto. Levava pra cama quem quisesse. Não era muito afeito ao trabalho e gostava de um pó, mas sua beleza animava reuniões e fechava muitos contratos.

Bonitinho decolou na vida e até na TV foi parar. Só que a vida nos manda boletos pelos excessos que cometemos quando novos e com Bonitinho não foi diferente. O vício consumiu Bonitinho que depois de 10 anos já não era mais bonito, ficou balofo e depressivo.

Porém, Bonitinho deu uma virada de mestre. Conseguiu se livrar do vício, mas não do peso. Foi então que ele levantou a bandeira Dove da real beleza. Hoje, Bonitinho é um ~influencer~ que posta fotos barrigudo, de como devemos gostar do nosso corpo e não virar escravos da ditadura da beleza.

Eu não poderia concordar menos, se não conhecesse o histórico de Bonitinho. Hoje me soa um pouco oportunista e hipócrita.

Bonitinho não tem biótipo obeso, com reeducação alimentar e exercício ele poderia estar em seu peso ideal/normal. Porém, seja por preguiça ou pela conveniência de ter achado um nicho tão rentável e com audiência, ele induz seus seguidores a aceitar seu corpo como estão e não como são. Ao invés de estimular a pessoa buscar a solução para o seu problema, Bonitinho vende uma fórmula barata de auto aceitação que resolve o problema apenas nos 30 segundos que seu público engole a publicação.

Talvez eu esteja sendo rabugento de mais e devo entrar na onda dos influencers. Vou criar uma série de vídeos trajando sunga branca e máscara do Zorro e cagarei dicas de como atrair o homem perfeito pela força do pensamento. Aceito permutas.

Diário de viagem (parte 1) e alguma coisa de relacionamento

Vez ou outra algum conhecido me pede dica de país pra visitar.  Algo tão genérico como pedir indicação de um “filme bom”. Sempre retorno com algumas perguntas mais especificas como qual o objetivo da viagem, se gosta de natureza, culinária, se está disposto a choques culturais/sociais, se está com grana, etc.

Porém, considero alguns países como clássicos Blockbuster, conseguem agradar a quase todos (como Espanha, que tem praia, comida/bebida, museu, montanha impecáveis), e alguns são como filmes da Sessão da Tarde, não tão ruins, mas você poderia estar assistindo algo melhor. Nesse último quesito eu enquadro a Indonésia. Sempre ouvi que Bali era um lugar incrível, lindo, cheio de energia e tal.

O que encontrei, porém, foi um trânsito caótico, locais vendendo até corda de varal pra turista, povo pouco cortês e praias meia boca. Fui na indicação de guias de viagem e me hospedei na praia de Seminyak, na cidade Ubud e a ilha Gilli Air. A primeira é completamente descartável, a atração mais famosa é um templo que mais parece uma casa de árvore (e eu já vi casas mais bonitinhas); Ubud é o ponto alto, a culinária é incrível, a cidade charmosa e o povo mais simpático; Gilli Air é tranquila e até tem umas paisagens bacanas, mas ela faz parte da parte islâmica da Indonésia e minha namorada sofreu um pouco por lá, desde recusas a entrar em estabelecimentos (por estar de regata) até homens querendo beijá-la por andar sozinha e vulgar com seus ombros de fora e saia.

Talvez eu não tenha visitado as melhores partes do país, mas dos sete países que visitei do sul asiático, Indonésia está no fim da lista.

Por outro lado, Filipinas me surpreendeu.  A hospitalidade do povo, alegria, e as praias são incríveis. É um dos poucos países na Ásia majoritariamente católico e com a ocupação de espanhóis e americanos por séculos, eles ficaram mais ocidentalizados, o que traz uma sensação de familiaridade e identificação maior.

Porém, há problemas que valem menção. Filipinas me lembra o Brasil de 30 anos atrás, com pessoas penduradas nos ônibus, nenhuma lei de trânsito e nego jogando lixo no meio da rua.

Contudo, a prostituição desenfreada é o pior deles. É comum ver um monte de velho europeu com meninas novinhas, que sem muita opção pra melhorar de vida, encontram nessas múmias uma salvação. Um caso me chamou a atenção.

Certa noite, estava minha namorada e eu no bar, quando apareceu um canadense de 63 anos que parecia um cruzamento do Felipão com uma coruja. Ele era até que simpático e perguntou se podia sentar na mesa conosco, aceitamos e ficamos conversando sobre generalidades. Cerveja vai, cerveja vem, ele quis nos mostrar fotos de como estava a neve no Canada. Só que ao abrir o álbum apareceram as últimas fotos que ele tirou com umas garotas de cerca de 20 anos na cama, banheira, e até do lado de uma árvore de Natal. Uma coisa assombrosa e nojenta. A conversa deu uma esfriada e minutos depois apareceu outro canadense, esse mais “novo” (49 anos), mas aparentava 60 e era imenso. O cara é bem sucedido na sua área, gerenciava pequenas construções.

Os dois canadenses não se deram muito bem e o gordinho me chamou de canto pedindo desculpas para eu não considerar os canadenses toscos e chucros como o Felipão-coruja. Levei numa boa e depois de um tempo o coruja foi azarar umas novinhas na pista (uma cena macabra) e a conversa seguiu com o gordinho.

Lá pelas tantas ele começou a abrir o coração. Disse que possui um filho maravilhoso, que o ama e tal, mas tem um arrependimento na vida, de não ter casado com uma mulher inteligente. Então ele me mostrou uma foto do garoto, e apesar do gordinho ser loiro de olho claro, o menino era moreno e com os olhos levemente puxados. Minha namorada, pouco discreta, indagou-o a respeito da aparência, foi então que nosso amigo respondeu que sua mulher era filipina.

Reitero que o povo filipino é extremamente educado e simpático, mas parte das mulheres pensa apenas em casar com alguém bem de vida para sair da pobreza, e pelo visto foi o que ocorreu com o canadense. Ao abrir seu coração, ele falou que a mulher é maravilhosa (ela tem 27 anos), mas que casou cedo (quando ela tinha 19) e que ele tinha vergonha de leva-la em eventos sociais, pois sempre passava vergonha.

Ficou um clima chato, mas seguimos na conversa e ai o cara se mostrou uma pessoa egocêntrica, materialista e pedante. Esfriei a conversa e fomos embora.

Nessas horas eu me lembro de uma frase de um tio que dizia que macaco anda com macaco e girafa com girafa. Muitas pessoas se fazem de vítima por ter um relacionamento meia boca e colocam a culpa no parceiro. O que poucas percebem é que elas atraem trastes, pois são tão piores quanto o parceiro. É óbvio que há casos que simplesmente rola uma decepção depois do convívio, mas ter essa percepção depois de casar e ter filho soa hipócrita.

Adeus Austrália!

Como eu disse em alguns posts aqui, decidi vir para a Austrália para mudar completamente minha vida. Estava cansado da minha área de formação (Publicidade), dos problemas no Brasil e decidi vir pra cá mudar de carreira e trabalhar com Gastronomia.

Minha frustração com Publicidade dava uma lista imensa, mas entre os principais motivos estava a falsidade das pessoas, a relação de suserania e vassalagem entre anunciante e agência, e a constatação de que mais importante que fazer um bom trabalho, era parecer bom.

Curiosamente, nesse último quesito, a vida na Austrália é campeã. Não importa como as coisas são, tudo “parece”.  As pessoas parecem felizes, parece seguro, parece limpo, parece que o transporte é bom, parece que tudo funciona.

Na real, há uma minoria de gente realmente feliz, o resto é uma horda de imigrantes, aborígenes (os índios daqui) e minorias trabalhando feito um macaco ou mamando nos benefícios do governo para manter o primeiro grupo e ter a ilusão que vive bem.

Além disso, a violência doméstica e estupro são crescentes, mas poucos divulgados; “limpar” é um verbo que cede lugar ao “passar um pano”; o transporte é caro, os ônibus atrasam, os motoristas dirigem mal e são mal educados. Porém, se você trabalhar bastante, ter uma vida social mínima e morar em um lugar (bem) simples, consegue juntar dinheiro e….sei lá, fazer algo com o dinheiro que juntar.

Essa foi a minha frustração no ano que vivi aqui. Sai de uma realidade no Brasil para viver outra parecida do outro lado do mundo (guardada as devidas proporções). Óbvio, a poluição, violência urbana e estabilidade econômica são incomparáveis com as do Brasil, e talvez as pessoas que estejam aqui com residência tenham uma perspectiva melhor. Porém, no meu ponto de vista, há tantos problemas aqui que é preciso pesar até quando vale a pena o esforço.

Grande parte dos brasileiros que conheci (incluindo eu)  fazem me lembrar das cenas do purgatório da novela “A Viagem”, um monte de alma penada tentando achar uma luz. E pra quem está no completo breu, um fósforo é sol. Conheci pessoas jovens, formadas e talentosas trabalhando há anos como faxineiros, pois o salário é bom e possuem mais oportunidades que no Brasil. Não há preocupação com o longo prazo, enquanto tiverem energia eles seguem girando a economia da Austrália em troca dos seus anos de vida.

Não me arrependo do período que morei  aqui, tomei muito tapa na cara da vida e passei a vê-la com outra perspectiva. A Gastronomia ainda me fascina, mas definitivamente não seria como chef que ficaria realizado. Chegou novamente a hora de estender as velas e partir para outro desafio. Dessa vez na Europa. Antes, vou aproveitar o dinheiro que juntei aqui para curtir o sudeste asiático. Tentarei postar com certa regularidade, mas creio que entre uma praia e outra estarei muito bêbado para escrever, mas farei o possível. =)

A Minha Praça É Nossa

Carlos Alberto de Nobrega faz 80 anos nesse ano, mas a Praça é Nossa, na verdade é Minha aqui na Australia. Sou um Carlos Alberto da vida real.

O meu banco é uma mesa de segunda mão estrategicamente localizada no centro do apartamento o qual divido com quatro personagens. Além deles, há participações especiais que são as amigas da garota que estou ficando aqui.

Não importa o dia da semana, nem o horário, há sempre uma forma de ter a minha individualidade estuprada até nos momentos mais íntimos. Semana passada a coisa foi intensa e explica, em partes, porque estou há tanto tempo sem postar.

Era um domingo e estava exausto do trabalho ao longo da semana, tudo o que eu queria era comprar um bom vinho e cozinhar algo diferente, no caso uma farofa de banana com purê de beterraba e frango grelhado ao molho de mostarda (que ficou foda). Começou que ao procurar minhas taças, só havia uma, as outras foram quebradas, restando apenas algumas vagabundas com motivos natalinos. Tudo bem, era um detalhe e ignorei aquilo.

Os personagens estavam na sala ouvindo música eletrônica chata e bebendo, por isso me tranquei na cozinha, coloquei um jazz e mandei ver no preparo.

Assim que comecei a servir, parece que eles vieram pelo cheiro e três juntos, semi-bêbados começaram a elogiar o prato, questionar o que eu tinha cozinhado apontando para a comida e puxando assunto (com o claro intuito que eu oferecesse o que mal servia pra mim e pra garota). O prato esfriava, enquanto tentávamos manter a educação e interagir com os personagens.

Após terminar a refeição, percebemos que minha casa não seria o lugar ideal para terminarmos a noite, por isso seguimos para a casa da garota a fim de ter uma noite tranquila (na verdade de dar uma trepada sem ter o risco de alguém atazanar). Chegamos no lugar e a casa parecia um mix de templo budista, velório e casa de pai-de-santo. As personagens especiais que moram na casa da garota ouviam sons da natureza, traziam adornos budistas e velavam homens que estavam mortos no sentimento (deles).  O cheiro de incenso era de matar e a qualquer momento eu imaginava alguém batendo tambor com o ere no corpo. Ali definitivamente não seria o lugar para transarmos e acabamos indo dormir.

Dia seguinte eu tinha que entregar um exercício do curso que estou fazendo e pra isso precisava de máxima concentração em casa. Fui cedo pra preparar meu café da manhã e focar na tarefa. Entrei em casa e um dos personagens já estava acordado preparando café da manhã. Esse cara é um caso a parte, formado em Fisioterapia e chato de nascença, ele adora fisiculturismo e passa os momentos ociosos em casa assistindo vídeo sobre musculação, dieta, homem puxando peso e tal. Não satisfeito, ele precisa compartilhar (ao vivo) tudo o que assiste de curioso . Nessa manhã tomei uma saraivada visual de músculos, shakes e treinos. Ele partiu para o trabalho e assim consegui voltar para o exercício, mas com o cérebro contaminado por músculos e dietas.

Quando estava na metade, apareceu o cara que divide quarto comigo. Ele é gente boa, mas acabou de chegar no país e mal sabe por onde começar. Pediu minha ajuda para arrumar/fazer o currículo dele e na sequência começou a conversar com a mãe.  Tentei voltar ao trabalho, mas não tinha como me concentrar, mesmo de fone eu ainda o ouvia conversando com a mãe, as vezes alternando a voz com jeito de bebe e contando fofocas (e como eu gosto de fofoca involuntariamente meu cérebro preferia esse assunto a pensar em cálculos).

Consegui adiantar o que pude e o dia voltou ao normal. À noite, aproveitando que o meu roomate estava em aula, convidei a garota pra ir em casa tomar um vinho (na real era uma desculpa pra ir pro quarto e tirar o atraso). Aqui vale uma pausa, naquele dia o gerente do apartamento fez algumas mudanças na casa, colocou alguns armários, tirou outros e fez uma pequena bagunça nos quartos. Eu ignorei o fato, mas não o chato da casa.

Quando estava quase finalizando o ato com a garota, ouvi alguém reclamando na sala, o chato. Tentei ignorar, mas de repente ele começou a bater na porta do meu quarto. Tentei mais uma vez ignorar, mas não tinha jeito, o barulho aumentava e com medo dele abrir a porta, perguntei o que ele queria. Ele perguntou se eu sabia quem tinha feito a bagunça na casa, dei uma leve brochada pedindo gentilmente que ele ligasse para o gerente e não me enchesse o saco. Consegui recuperar a concentração e finalizei.

Não me levem a mal, não sou um chato individualista e apesar das críticas eles são pessoas do bem e ajudam a quebrar os momentos depressivos por estar longe da família e amigos. Só que há momentos que eu apenas gostaria de ficar sentado no banco da praça lendo o meu jornal, sem que a velha surda, batoré e patropi sentem do meu lado.

Certa vez li uma dessas correntes babacas com um suposto texto do Chaplin (mas que é do Sean Morey) que a vida deveria começar de trás pra frente. Aqui traduzido:

“A coisa mais injusta sobre a vida é a maneira como ela termina. Eu acho que o verdadeiro ciclo da vida está todo de trás pra frente. Nós deveríamos morrer primeiro, nos livrar logo disso. Daí viver num asilo, até ser chutado pra fora de lá por estar muito novo. Ganhar um relógio de ouro e ir trabalhar. Então você trabalha 40 anos até ficar novo o bastante pra poder aproveitar sua aposentadoria     Aí você curte tudo, bebe bastante álcool, faz festas e se prepara para a faculdade. Você vai para colégio, tem várias namoradas, vira criança, não tem nenhuma responsabilidade, se torna um bebezinho de colo, volta pro útero da mãe, passa seus últimos nove meses de vida flutuando. E termina tudo com um ótimo orgasmo”

Parece genial, mas estou vivendo parte desse retorno. Morava sozinho, tinha um carro e planejava casar um dia, como a maioria dos homens na casa dos 30. Agora divido apartamento,  ando de transporte público e não tenho plano algum de casar, como a maioria dos homens na casa dos 20. É, o texto de Morey não é tão genial assim.

(Enfim, vou tentar postar com mais frequência, tenham paciência com o Carlos no seu banquinho J ).

Diário da Austrália

Após alguns meses de perrengue para recomeçar a vida do outro lado do mundo, finalmente algumas coisas começaram a dar certo (outras nem tanto). Porém, no geral a experiência está valendo muito e posso dizer que a minha estadia até agora tem sido produtiva.

Meu primeiro objetivo finalmente foi alcançado. Consegui zerar meus custos aqui e ainda guardar dinheiro suficiente para me bancar por dois meses sem trabalhar (caso seja necessário).  Só que teve seu preço.

Há um trabalho muito popular por aqui que se chama “functions”. Basicamente é trabalhar em grandes eventos ou festas de empresa fazendo as mais diversas funções (como garçom, bartender,  auxiliar de cozinha, etc).  O valor pela hora de trabalho fica em torno do R$ 75,00. Dois dias que você trabalha nisso, já consegue pagar o custo da semana, o que entra depois é lucro. Além da grana razoável, é possível conhecer muita gente e treinar o inglês. É legal para um trampo temporário.

Bom, comecei a pegar uns 3 turnos desse trabalho na semana e já estava achando que era o craque e sabia tudo.

Na metade de uma festa de banco, eu estava carregando uma bandeja cheia de cerveja, quando um dos garçons me cutucou para mostrar uma garota. Quando fui virar pra olhar, as cinco cervejas tombaram e fizeram uma cascata de Pale Ale em mim. Duas tombaram no chão. Fiquei cego de vergonha e a única coisa que consegui pensar foi em sair correndo até cozinha para me limpar. Como não tinha roupa extra, tive que me secar e ficar melado (e fedendo) por mais três horas.

Dois dias depois algo parecido ocorreu. Era uma festa de formatura, já estavam todos (os convidados) bêbados e a nossa função era distribuir água pra galera ficar de boa. Já estava no fim e essa família que parecia do desenho “Family Guy” fez uma pilha de bolsas em frente da mesa, como estava escuro eu não as vi, tropecei nelas e as duas garrafas d´água fizeram outra cascata. Dessa vez dentro das bolsas. Devo ter ficado roxo, alguns garçons me ajudaram, a família não ficou muito feliz e eu ganhei o apelido de Cachoeira entre meus amigos.

Porém, nem tudo foi desastre. Em um dos trabalhos nos colocaram para atender as salas VIP´s dos camarotes do Jockey de Sydney. Nesse lugar a bebida e comida é a vontade. E tudo é da melhor qualidade. Na cozinha podíamos provar a comida, já a bebida é proibido o consumo em serviço. Porém, assim que todos os convidados foram embora da sala, havia várias garrafas de excelentes vinhos e champanhes praticamente cheias. Meus amigos espanhóis e eu nos trancamos em uma para “arrumá-la” e fizemos até degustação de Moet com queijo de cabra e geleia de frutas silvestres.

E nisso começa a formar um círculo ~virtuoso~.  Quanto mais você trabalha, mais conhece pessoas, mais contatos faz e mais oportunidades aparecem. E já na segunda semana nesse trabalho arrumei uma vaga de auxiliar de cozinha. No meu pensamento seria uma ótima oportunidade para ampliar meus dotes culinários. Só que auxiliar de cozinha é um eufemismo para piloto de louça.

Cheguei ao restaurante e tinha uma pilha pra lavar. Cozinhar não era nem 95% do meu tempo. Depois de enfiar a mão em ralinho cheio de comida, perder controle do esguicho de água e resto de comida parar na cara, em duas horas já estava dando conta e pedindo para o Chef me ensinar alguns pratos. Pela minha boa vontade, ele sempre me oferece para provar algo diferente e já tenho preparado alguns pratos. Culinária árabe em breve será parte do meu currículo pessoal. E o mais importante, mais uma fonte de renda.

O meu terceiro trampo foi novamente uma tentativa de trabalhar em obra. Mais especificamente em arrumar a bagunça de fim de obra e alguma coisa de carpintaria. Nunca tinha usado um serrote e depois de furar a perna e cortar algumas madeiras tortas, adquiri mais essa habilidade. Estava feliz com esse trampo, mas no último dia tive que carregar uns 80kg de ardósia pra lá e pra cá e novamente minha coluna foi pro saco novamente. Agora estou tomando cuidado, pois não seria muito inteligente fazer toda reserva pra depois gastar com fisio.

Bom, como eu disse a questão financeira estava finalmente resolvida e agora eu precisava resolver meu segundo problema/objetivo de curto prazo, moradia. Estou em uma homestay que estava bacana até primeiro mês, mas agora começou a dar sinais de saturação.

Quando cheguei aqui fui convidado para vários jantares que os vizinhos organizavam uma vez por semana. Era uma excelente oportunidade para fazer amizade e treinar o inglês. Porém, em um desses jantares a mulher de um dos convidados deu em cima de mim de forma abusiva e desrespeitosa a ponto de perguntar para o dono da casa que estou se ele não tem ciúme de hospedar um brasileiro sensual. No final da noite, de volta pra casa, eles pediram desculpas por ela. Porém, eu nunca mais fui chamado para os jantares.

No segundo mês a minha individualidade começou a ser estuprada. Coisas como uma simples saída de casa ou ida ao banheiro eram monitoradas.

Minha agenda passou a ser controlada de uma forma velada, pior que a época que eu morava com a minha mãe. Se eu acordo mais cedo pra ir na academia ou chego mais tarde porque estava trabalhando, vem uma voz lá de cima da casa como se fosse um entidade perguntando “Cafa, é você? Está tudo bem?”. Caso eu consiga sair ou entrar em completo silêncio, no dia seguinte no café da manhã vem a pergunta “Nossa, não te vi chegar ontem. Você se divertiu?”.

Já o banheiro é o recinto que eu passo os principais dissabores.  Como eu disse anteriormente, não há tranca no banheiro. Logo, preciso ficar segurando a maçaneta. E parece que há uma sintonia entre eu ter vontade de fazer o número dois e alguém querer usar a porra do banheiro no mesmo momento. Não importa se as 6 da manhã ou 4 da tarde. Eu apenas fico em silêncio, seguro a maçaneta esperando que a pessoa perceba que sim, há alguém ali dentro, mas nunca é suficiente e vem a pergunta: “Tem alguém no banheiro?”. Com a minha resposta todo mundo sabe que estou lá, o que me trava.  Isso sem contar a tampa da privada que os filhos do casal sempre mijam e a minha toalha que sempre vai parar no chão (sujo) sem nenhum motivo aparente.

No outro dia foi o golpe de misericórdia. O banheiro possui uma janela grande e comprida que dá para uma espécie de jardim de inverno da casa. É relaxante.  Mas um dia estava apenas eu e a dona da casa em casa. Foi então que ela decidiu regar as plantas do jardim de inverno. A janela estava aberta, e não dava tempo de eu fechar, pois faria barulho e chamaria a atenção dela. Pelo ângulo da janela, não era possível ver o meu rosto, mas do meu pescoço pra baixo. Ainda assim algo vexaminoso. Pra não ser visto sentado no vaso, levantei e me encostei no canto do banheiro em uma tentativa frustrada de me esconder. Quando ela foi regar as plantas ao lado da janela, deve ter sido inevitável ver alguém de pé com o pirulito murcho de fora encostado no canto do banheiro. Ela deu um berro, saiu correndo pedindo desculpa e eu morri de vergonha por uma semana.

Depois de tanto perrengue, nessa semana finalmente eu fechei contrato para morar em um apartamento próximo à praia e que será dividido com pessoas da minha idade. Agora é partir para o próximo e maior desafio, encontrar trabalho na minha área.

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Gostaria de fazer um post nesse semana de “Rapidinhas”, ou seja, perguntas simples/curtas das leitoras. Só mandar para cafa@manualdocafajeste.com ou enviar nos comentários ou na mensagem privada do Facebook.