Insustentável leveza

Desde pequeno sempre fui um cara racional, metódico e chato. Tais qualidades me trouxeram algumas coisas boas e um bocado de ruins. Entre as boas, meus brinquedos duravam uma eternidade e possuo até hoje bonecos do Comandos em Ação intactos, por outro lado, nenhum amiguinho queria brincar comigo, pois eu sempre colocava regras sobre como eles deveriam brincar. Conclusão, possuo dezenas de bonecos no maleiro e nenhum amigo de infância.

Isso me perseguiu ao longo da minha adolescência e parte da vida adulta. Resultado da minha neurose com organização e controle, acabei virando diretor de operações, mas no meio do caminho percebi que algo estava errado, pois os resultados positivos com essas qualidades essencialmente aplicavam-se as coisas e não pessoas. Eu acumulava conquistas materiais e minava quase todas imateriais. Passei a me dar conta disso depois de algumas sessões de terapia, mas tem coisas que são tão profundas da personalidade que por mais que você saiba que está errado e tenta evitar, elas voltam, ai fico metódico, afugento pessoas e depois percebo fiz merda de novo.

Isso tem ocorrido recentemente. Vocês que acompanham o blog há algum tempo já perceberam que a minha vida está caótica e meio sem controle. O meu lado metódico e controlador sofre diariamente travando uma batalha com o outro lado que prefere viver com mais leveza e imprevisão. Isso acentuou-se ano passado, lá no Brasil, quando tomei a decisão de vir para Austrália.

Um mês antes de viajar, conheci uma brazuca em São Paulo, que naquela época, pra mim, seria apenas um passatempo até chegar a partida. Só que desde o primeiro encontro a coisa pegou fogo, não apenas pela química, que mostrou-se incrível já no primeiro beijo, mas nos assuntos, valores, forma de ver a vida e tal. Enfim, rolou o “click” e da mesma rapidez com que nos conhecemos e criamos intimidade, nos despedimos com promessas de um reencontro do outro lado do mundo, que eu achava que jamais ocorreria.

Com toda experiência que eu acumulei em relacionamento a distância, pra mim seria questão de semanas ou meses até que esfriasse o nosso contato e eu seguisse minha vida. Porém, conversávamos quase todo dia e o carinho só aumentava. Um dia ela comentou que tinha tomado a decisão de vir morar aqui e isso me preocupou um pouco. Eu não gostaria de ter responsabilidade por uma decisão tão séria na vida dela sendo que não erámos namorados e com uma convivência de apenas um mês. Porém, ela me garantiu que não estava vindo por minha causa, na verdade ela já tinha morado um tempo aqui e gostaria de retornar pra fazer outro curso.

Ao longo do período em que estávamos longe eu pensava quase que diariamente se essa relação teria futuro. Isso porque eu não sei onde estarei daqui a um ano, o que farei, como, em que condições, etc. E não queria ter nenhuma amarra que me impeça de eventualmente mudar o rumo. Mais uma vez meu lado metódico queria falar mais alto e mais uma vez eu me via em conflito.

Pensando sobre o que fazer, lembrei-me do livro “ A Insustentável Leveza do Ser”, um clássico sobre relacionamento e crises existenciais. De forma bem resumida e simplificada, o personagem principal vive o dilema entre levar uma vida leve, sem raiz e a decisão de ancorá-la por meio de um relacionamento. Apesar de ser um livro antigo, ele consegue captar a essência do pensamento masculino (recomendo no lugar de baboseiras como 50 Tons de cinza).

Eu estava na mesma dúvida do personagem, e decidi parar de pensar só no futuro e viver mais o presente. Comecei a namorar. Continuo com a indefinição do meu futuro, mas tenho a certeza que hoje uma pessoa especial está do meu lado.