A decisão de morar junto

Desde pequeno sempre senti algum desconforto em relação à cerimônia de casamento. Quase todos os elementos jogam contra o bem-estar humano.

Com algumas exceções, a temperatura sempre está inapropriada às vestimentas, o terno, gravata e vestidos frufruzentos deixam homens e mulheres mais elegantes, mas o suor sempre está presente.

Há uma forçação de barra para conhecer a família e conhecidos da noiva/noivo, que em muitos casos você nunca viu e nunca mais verá na vida.

Tem a putaria da noiva chegar atrasada pra fazer graça, enquanto os convidados derretem dentro da igreja. Passada a graça, entra um padre cansado e entediado recitando passagens da bíblia, e para as pessoas não tirarem um cochilo, nos obriga a levantar de tempo em tempo para repetir alguma frase bíblica. Nesse momento, aquela tia carola consegue recitar todo o Credo em Deus Pai, enquanto eu movimento minha boca sem emitir som pra não ficar fora da turminha e apenas repito no final “ele está no meio de nós” achando que abalo.

A melhor parte não deixa de ter os seus desgastes. Depois de um trânsito infernal para chegar ao lugar da festa, algum guardador de carros vem extorquir os convidados. Superada essa fase e quando parece que é só entrar e divertir-se, vem pose pra fotos, papelão de tia bêbada, a turma engraçadona da gravata cortada pedindo dinheiro, a aparição da noiva com o câmera man a tira-colo gravando o seu agradecimento aos convidados e por ai vai.

Tirando a parte bacana da comida e bebida a vontade e interação com algumas pessoas legais, casamento é um rito de passagem arcaico, dispendioso e exibicionista.  Se é pra oficializar a união de duas pessoas e celebrá-la com pessoas que valem a pena, é só ir morar junto e fazer um jantar (ou uma viagem de fim de semana) com os chegados.

Fiz essa introdução, pois o segundo tema mais solicitado pelas leitoras para que eu escrevesse foi a decisão de morar junto. Eu acho essa decisão mais importante na relação que o casamento em si. O casamento é um aue feito para a sociedade, enquanto a decisão de viver junto é exclusivamente do casal.

Aparentemente, para um casal que já namora há algum tempo, morar junto parece algo trivial e consequência da relação. Sim, talvez seja, mas quando duas pessoas desejam unir as escovas de dente um novo mundo se abre na relação e as vezes a relação pode dar uma estremecida.

É bom ter em conta algumas mudanças que trazem na relação à decisão de morar junto.

Vamos às principais:

Custo – Quando você já tem intimidade com a pessoa, é preciso por um pouco o pé no chão e discutir a parte financeira. Em boa parte dos casos, é bem possível que um dos dois ganhe mais que o outro e isso deve ser levado em consideração na divisão dos custos. Os gastos fixos da casa, na minha opinião, devem ser compartilhados com proporcionalidade em relação ao salário. Não faz sentido alguém que ganhe 10.000 reais divida igualmente o valor do aluguel com o parceiro que ganha 5.000. Da mesma forma que não faz sentido o monstro do marido comprar quilos de carne e a coitada vegetariana ter que dividir a conta de supermercado.  As vezes o problema do custo nunca é um tema central da relação, mas após o término, uma das partes carrega o saldo por um longo tempo.  Hoje, todo mundo reclama de salário, mas poucas pessoas dão atenção a devida atenção aos seus custos.

Sexo – Sabe tudo aquilo que você leu que o sexo só melhora com os anos? Bom, não é de todo verdade. O sexo no casal é como assistir infinitamente uma série de tv que você ama. No começo você vai assistindo cada temporada e a coisa só melhora, as vezes tem um capítulo ou outro meia boca, mas você vai indo até o fim. Ai acaba e você decide assistir outra vez, e por mais que se divirta, você já sabe tudo o que acontece, qual o melhor capítulo e qual menos agrada. Não há mais novidade, mas você ainda curte. As vezes a série pode ser como o Chaves que você da risada da mesma idiotice pela enésima vez, outras podem ser como Lost, que foi uma sensação, mas não dá a mínima vontade de repetir.

Intimidade – Bom, talvez esse aspecto não seja nenhuma novidade, mas não tem como não abordá-lo. A intimidade nos trás coisas boas e outras tantas nem tanto. Na minha relação, por exemplo, estou na fase que minha namorada entra pra fazer o número 1 no banheiro, enquanto eu tomo banho. Isso me aborrece, pois a descarga desregula ligeiramente a temperatura do chuveiro, o que incomoda um chato metódico como eu.  Além disso, até hoje não sei onde devo cortar minha unha, se vou pra janela sou porco de jogar na área comum (apesar da minha unha ser biodegradável), se corto na sala ou quarto é um pecado mortal, se corto na pia sou nojento, se corto na privada….bom, na privada não tem problema, mas não gosto de sentar na privada pra cortar unhas. Tudo isso é uma mania minha e pequena que não tem sentido algum eu retrucar. Então, na intimidade é muito importante saber o que de fato é uma atitude escrota (como nunca lavar a louça ou cortar a unha na cama) e o que é uma mania boba. Intimidade nos obriga a nos colocar no lugar do outro e pensar em dois.

Privacidade / individualidade – Esse eu considero um dos mais importantes e um dos motivos pelos quais muitos relacionamentos fracassam. Não é porque você decidiu morar junto que todos os programas e eventos precisam ser compartilhados. O cara precisa do tempo dele com os amigos, jogar bola e depois tomar umas cervejas. Da mesma forma que ela também precisa colocar a fofoca em dia e ir a um barzinho com as amigas. Programa a dois são bacanas, mas é fundamental manter a socialização fora da relação. Dentro de casa a mesma coisa. Cada um precisa de seu tempo sozinho, seja pra jogar vídeo-game ou fazer a unha. É preciso equilibrar as horas individuais e com o parceiro para que a relação não mate a individualidade.

Autoconhecimento – Esse é o mais inusitado e o que mais me surpreendeu nas últimas relações. Morar junto é quase como frequentar o divã do psicólogo todos os dias na sua casa. Você conta seus problemas, angústias, conquistas, sonhos, como foi seu dia, etc. O parceiro tem um conhecimento da sua psique quase melhor que um parente próximo. Sabe (quase) todas as suas fraquezas e pontos fortes e ao longo das pequenas discussões, te abre o olho sobre atitudes nocivas e padrões de comportamento destrutivos. Se o parceiro respeita e sabe receber críticas, viver junto vira um exercício de auto-conhecimento único e ainda que a relação não dê certo, no final ele sai um ser humano melhor que entrou.