Prevendo o futuro

Tenho uma tia meio zureta. Na verdade hoje ela está um pouco normal, mas quando eu era pequeno, ela me intrigava com a sua superstição e digamos que ela foi a grande responsável por me tornar descrente de qualquer bobagem mística para descobrir o futuro, trazer a pessoa amada, simpatias e outras coisas etéreas.

Ela tinha um amigo gay que vez ou outra aparecia na casa dela, e como eu sempre estava por lá nos finais de semana para brincar com meu primo, era inevitável ouvirmos/vermos o que rolava.

Era um ritual, primeiro eles faziam fofocas tomando umas cervejas na cozinha e depois se trancavam na sala de tv para ter “conversa de adulto”.  Eu devia ter uns 13 anos e já começava a suspeitar se aquele amigo era de fato gay. Até que um dia meu primo e eu nos escondemos no armário para fuçar o que rolava. Eles chegaram, sentaram no chão e começaram a rezar. De repente o cara assumiu uma postura de criança e começou a falar como tal e dar conselhos para minha tia. Meu primo explodiu de rir, o cara deu um berro (aparentemente saiu do transe) e corremos do esconderijo. Ele ganhou uns tapas, eu um castigo da minha mãe, que me pedia para respeitar as crenças da tia.

Teve também uma fase cigana. Ela dizia que tinha uma mentora espiritual nascida na Catalunha em 1702. Minha tia lia cartas e previa o futuro das pessoas. Nunca adivinhou porra nenhuma. Hoje eu me questiono porque essa maldita cigana não ensinou a minha tia a cozinhar paella ou fazer tapas.

Depois ela teve uma cartomante de ~confiança~, que quase deixou a minha tia com uma mão na frente e outra atrás. A mulher virou uma psicóloga ruim pra minha tia, conseguia extrair informações pessoais e “adivinhar o futuro” com as mesmas informações que minha tia passava.

Por fim, ela começou a consultar uma negra idosa (que incorporava um preto velho). Essa mulher conseguiu enganar a minha tia por um bom tempo, mas até que não levou tanto dinheiro quanto a cartomante anterior.  Ela colocava um cachimbo na boca e falava engraçadinho, tal qual um preto velho. Um dia ela pediu que minha tia trouxesse meu primo e eu na sala. Morri de medo, já imaginando que ela fosse jogar uma galinha preta ou alguma macumba em nós.

Entramos na sala, ela deu uma pitada em seu cachimbo, olhou pra mim e falou: “xi minino…ha ha ha. Xi minino vai se muito rico. Doutor dos óio. Vai dar trabalho com a mulherada”. Eu era feio pra cacete e não tinha a mínima vontade de ser médico, mas fiquei feliz com a possibilidade de ser rico e ter sucesso com as mulheres. Ela ficou quieta e minha tia perguntou sobre o meu primo. Ela deu risada e falou “xe xe xe, vai fazer muito sucesso não. Mas exe aqui (e apontava pra mim)…vai da trabaio”. Eu queria rir, meu primo fez cara de bolinho, e minha tia ficou puta. Nunca mais vi a velhinha simpática por lá.

Não tenho religião, mas não sou ateu e respeito quem possui crenças. Eu só não concordo com pessoas que buscam um elemento externo para canalizar suas angústias, frustações ou vontades. Se alguma coisa não dá certo “ah, foi porque Deus quis assim”, se querem algo “Pede pra Santo Antonio” e assim essas entidades viram o dono do destino de cada um e as pessoas são meros fantoches de um ser supremo.

Minha tia, que era bonita e inteligente (apesar dos pesares), tinha meio caminho andado para encontrar alguém bacana. Acabou desquitando com 30 e poucos anos, arrumou um monte de cara tranqueira, e hoje mora sozinha num apartamento com um labrador, três gatos, um aquário de água salgada, um papagaio e três periquitos na gaiola. Acho que ninguém previu isso e ela não me parece muito feliz.