Desventuras na Austrália (parte 2)

(continuação do post anterior)

Pra poder trabalhar como garçom na Australia é preciso fazer um curso de “Serviço responsável de álcool”. Uma estupidez de 8 horas que basicamente lhe ensina que você não pode servir menores e pessoas alcoolizadas. O valor? Quase R$300,00. Mas considerando que um garçom faz cerca de R$450,00 por dia, até que é não é tão doloroso.

Terminei o curso e lembrei-me de uma rua simpática cheia de restaurantes que poderia ser um bom ponto de partida para despejar currículos (que obviamente estão cheio de experiências falsas em restaurantes brasileiros). Só que cheguei lá por volta das 16:00 e quase todos os restaurantes estavam fechados. Vi que dentro de um mexicano uma mulher varria o chão e toquei na porta.

Era a gerente, uma alemã. Ela olhou o meu currículo e ficou feliz de ver que estou estudando alemão e puxamos assunto. Ela comentou que no momento não havia vagas, mas que me avisaria caso surgisse. Dia seguinte, uma quarta-feira de manhã, ela me ligou pedindo para que eu fizesse um “teste” na sexta-feira e viesse com uma camisa branca. Ah, esses testes quase nunca são pagos, mas tudo bem.

Sempre subestimei a função do garçom. Especialmente nos botecos quando eles me ignoram pra trazer uma simples cerveja. É tanto detalhe, pedido, processo, regras, etc que você só passa a valorizar o trabalho quando entende os bastidores. “Aprendi” todos os truques da função com vídeos no Youtube e já me sentia preparado para arrebentar.

Na sexta-feira, dia da minha triunfal estreia, chovia muito em Sydney. No caminho para o restaurante lembrei da caralha da camisa branca, que eu não trouxe do Brasil, e por sorte tinha uma loja de departamento (tipo C&A) perto. Havia três tipos de camisa branca, uma que custava R$400,00, outra que parecia ter sido guardada dentro de uma caixa de fósforo e a terceira que eu parecia um vendedor de morangos (comprida na cintura e manga curta).

Bateu um desespero, pensei em ir com a amassada e falar que era o estilo da camisa, mas acho que não ia colar. Por uma luz divina, observei umas polos brancas em um cantinho da seção que eram bem baratinhas, comprei uma e um guarda-chuva para não chegar transparente no lugar.

Ao abrir a porta do restaurante, creio que tinham uns quatro pessoas lá dentro, além dos funcionários. Como é uma rua sem lugar pra parar (e sem vallet) a chuva afugentou boa parte da clientela. Encontrei a alemã, ela mal olhou na minha cara. Tive que relembrá-la sobre o “teste” e com a maior cara de pau ela disse que o combinado era sábado. Foi então que descobri o truque do “teste”, em que muitos gerentes pedem para as pessoas trabalharem de graça para dar vazão aos dias mais cheios e logo na sequência dispensam sem nenhum custo para o negócio. Ela poderia ter me explicado o funcionamento do restaurante já que não tinha quase cliente, mas como o objetivo era apenas dar vazão aos pedidos, eu não servia.

Sai de lá, respirei fundo e não deixei me abater pela derrota. Lembrei-me de uma churrascaria brasileira que um amigo havia comentado que eles sempre contratam brazucas. Cheguei no lugar e fui bem recebido por um garçom brasileiro que me explicou que provavelmente haveria vaga na próxima semana. Nisso apareceu o gerente, um chinês, que parecia o Cebolinha falando inglês. A entrevista foi bizarra porque eu mal entendia o cara e pelo visto ele deve ter pensado que meu inglês é uma merda.

Por fim, fui até uma agência de “hospitalidade” que recruta pessoas para trabalhar em grandes eventos. Chegando lá a atendente perguntou se eu dominava a técnica dos “três pratos”. Como eu já tinha assistido no Youtube um vídeo a respeito, falei de peito cheio que sim. Ela me chamou para uma salinha que havia uma caralhada de copos, talheres e pratos e pediu que eu apresentasse a técnica. Fiz daquele jeito, meio nervoso. Na sequência ela pediu que eu levasse taças para uma mesa fictícia e servisse vinho e depois que eu montasse uma mesa (com aqueles milhares de talheres). Nessa hora falei que não tinha ideia de como montar. A mulher foi complacente, disse que eu preciso de mais prática e que voltasse lá depois de três meses.

Completamente derrotado, sem conseguir trabalhar como pedreiro e inexperiente para garçom fui naquela sexta para a casa preparar o meu jantar sozinho, já que a família tinha saído para uma festa em outra cidade. Comprei um vinho no caminho e liguei o som pra cozinhar o prato que venho comendo há um ano, frango com salada e arroz integral.

Mal piquei a cebola e começou a tocar “Garota de Ipanema” na rádio. Nessa hora lembrei-me de tudo o que tinha deixado para trás, a situação que eu estava e confesso que a cebola ardeu meus olhos. Respirei fundo de novo, tomei um bom gole do vinho e voltei a cozinhar. No final do jantar só tinha um quarto da garrafa e fui tomar banho pra baixar o álcool.

Cheguei no banheiro e vi que o suporte do papel higiênico tava meio triste, pendendo pra baixo, quase derrubando o rolo. Tentei coloca-lo pra cima e o suporte quebrou na minha mão. Nem objetos inanimados estavam me ajudando.

Aproveitando que estava sozinho, dirigi-me à banheira pra ficar lá de molho e sem querer chutei o ralinho do banheiro, que era mal desenhado, e caiu dentro do buraco. Coloquei um saco plástico na mão e resgatei a tampa do ralinho. Veio tanto cabelo com nojeiras grudadas nele que parecia que eu segurava uma Barbie do inferno. Limpei aquilo, coloquei-o no lugar e finalmente tive o descanso que precisava.

Eu nunca me iludi sobre morar fora. As fotos de cangurus fofos, as praias maravilhosas, o céu incrível, etc, etc é a ponta mais bonita do iceberg que boa parte das pessoas que tentam a vida no exterior mostram no Instragram/Facebook. Quase ninguém tira foto da maloca que dormem, quebrando calçada com britadeira, trabalhando de madrugada, dos pratos de comida paupérrimos e por ai vai. No fundo até entendo essas pessoas, pois sempre tem alguém julgando quem saiu do país e mais atrapalhando que ajudando com o discurso de dó travestido de motivacional.

Abandonar o seu país para viver fora é como romper um casamento que não tá legal e voltar ao clube dos solteiros. É ter coragem de reconhecer que a relação não está boa, que a zona de conforto não compensa todos os problemas diários, romper, e como diz o Dinho, reaprender a andar descalço em um mundo de asfalto. O mais importante é ter um objetivo em mente e prazo (razoável), ter paciência com a readaptação e ir superando cada fase. No final, se não der certo, é só redefinir o objetivo, mas a jornada já valeu a pena.

Desventuras na Australia

Desculpem o sumiço, mas ultimamente ando sem tempo e inspiração pra escrever sobre relacionamentos. As minhas primeiras semanas na Australia não foram fáceis e até hoje ainda mato um leão por dia para recomeçar a vida. Preciso desabafar um pouco e por isso escreverei sobre o que rolou recentemente. Já aviso que o post de hoje não tem romance.

Mentira. Até tem um pouco de romance. Deixei no Brasil uma pessoa que curti bastante e fazemos planos de nos reencontrarmos em breve, por isso estou no modo inativo do outro lado do mundo. Mas não por isso que meus dias tem sido menos tumultuados. Tudo começou antes mesmo de embarcar.

Um dia antes da viagem me dei conta que a empresa de seguro de saúde (item obrigatório para entrar na Australia) fez lambança na minha reserva e eu estava descoberto por duas semanas. Tentei entrar em contato com eles, mas era uma sexta-feira a noite e o escritório já tinha fechado. Peguei o avião com o risco de ter dor de cabeça na alfândega e não conseguir entrar no país.

Tentei relaxar no avião, mas a todo momento vinha na cabeça a preocupação com a fronteira. Depois de uma hora de vôo, tentei relaxar e pedi duas garrafinhas de vinho. Coloquei meu sapato embaixo do banco da frente, estiquei as pernas e coloquei uma música pra descontrair. Tava gostoso. Mas de repente começou uma muvuca de comissários na minha frente, sendo que um deles trazia um cilindro de oxigênio. A senhora que estava na poltrona da frente apagou. Uma das comissárias pediu a gentileza que eu saísse da minha poltrona para ajudar na movimentação e quando eu peguei meu sapato, estava embebido em vomito da mulher. Morrendo de nojo sai correndo para lavá-lo no banheiro, mas era de camurça e a senhora tinha vomitado vinho. Não aconteceu nada com a velhinha, acho que passou mal com o vinho, já eu pisei na Australia com os pés sujos.

Por sorte a polícia não me parou, nem questionou os pés-de-moleque e espumante que eu trazia para a família que me hospedaria. Que vale uma menção à parte.

Eu estava procurando apartamentos para dividir, mas uma amiga disse que a melhor coisa seria ficar em algum lugar provisório para que de lá eu fosse fazer vistorias no lugar definitivo. Por recomendação dela, que já tinha ficado com essa família, acabei me programando pra passar um mês com eles. A experiência tem sido boa, mas com seus altos e baixos.

Eles são um casal na faixa dos 40/50 e possuem dois meninos na casa dos 10. Assim que cheguei, fui todo feliz dar pés-de-moleque como se fosse uma grande iguaria e ao olharem o doce, agradeceram com um riso amarelo e nunca ninguém tocou (só eu escondido para acompanhar meu café da tarde). Depois descobri que a minha amiga já tinha levado o doce certa vez e ninguém gostou por ter muito açúcar e grudar no dente.

Com o espumante foi um pouco pior. No dia seguinte eles fizeram um jantar para receber um casal de amigos mega finos e expert em vinhos. Eu tinha comprado o espumante no Brasil, em uma loja especializada , mas deixei-me levar pela opinião da vendedora, não olhei o rótulo direito e só me dei conta da porcaria que tinha comprado quando ao servir, as bolhas pareciam de água com gás e o gosto de suco de uva. Novamente risadinhas amarelas foram dadas e a convidada mal bebeu.

Passado esse trauma inicial, comecei a me entrosar melhor na casa. A “mãe” cozinha incrivelmente bem, é muito gente boa e pelo menos duas vezes por semana há festinha na casa deles ou de alguém da vizinhança para beber e conversar. Uma excelente oportunidade para afiar o inglês, integrar e fazer amizade.

Porém, as vantagens acabam por ai. Por mais que eu tenha o meu quarto e pague uma grana semanal, eu preciso seguir o ritmo da casa. Isso quer dizer, acordar as 6:30 da manhã com criança brincando, jantar as 18:30 (e morrer de fome as 21:00) e ter que ir deitar as 22:00 pra não fazer barulho. Fica difícil escrever nesse ritmo.

Como disse, estou inativo sexualmente, e nem sozinho eu consigo me aliviar. O banheiro e meu quarto não possuem tranca, logo não dá pra correr o risco de uma criança me pegar descascando banana. Resumindo, estou há 3 semanas castrado e com o risco iminente de uma polução noturna.

Mas acordado consigo me conter. O meu foco é encontrar um emprego e uma casa com pessoas da minha idade/situação, depois resolvo a abstinência. Só que até casa e emprego são um desafio a parte.

O problema com a casa é que estamos em alta estação e o preço do aluguel sobe absurdamente, mas com trabalho isso dá pra resolver. Só que isso é o que mais pega.

Sair do Brasil com um visto de trabalho australiano é tão raro como alguém vomitar no seu sapato e você lambuzar os dedos em vômito alheio. A diferença é que apenas o segundo aconteceu comigo. Nenhuma empresa patrocina alguém a distância sem conhecer o trabalho dela.

O caminho mais fácil é entrar com um visto de estudante, que permite trabalhar 20 horas por semana, e ai mostrar serviço nesse período e achar uma boa alma que pague o visto de trabalho. Com esse visto, é mais que meio caminho andado para pegar uma residência e cidadania.

Meu inglês está muito bom, mas quero deixa-lo excelente antes de aplicar para vagas na minha área. Por isso, estou buscando qualquer emprego braçal que me permita praticar o idioma. Além disso, um dos objetivos que estabeleci desde que sai do Brasil é não tocar nas minhas economias, então arrumar um trampo e zerar meus custos é o meu esforço diário.

A primeira oportunidade surgiu para ser pedreiro. A ideia inicialmente não me agradou, pois imaginem de diretor de operações há um ano e pouco, agora virar pedreiro no exterior. Porém, viver fora do país requer um exercício constante de humildade e quebra de preconceitos. E aquilo que não mata, vira experiência de vida. Lá fui eu pra obra.

Era uma baita mansão e no fundo havia uma montanha de terra. Eu era o único pedreiro no lugar e a missão era espalhar aquela montanha ao redor da casa em dois dias. Mentalizei que aquilo seria uma boa academia e eu ainda receberia pelo exercício. Coloquei uma música, tirei a camisa e fui com sangue nos olhos. No final do dia eu tipraticamente finalizei o trabalho de dois. Estava orgulhoso da minha produtividade, mas foi uma tremenda estupidez por dois motivos.

Primeiro que o pagamento é feito por horas trabalhadas, ou seja, eu poderia ter dado uma enrolada e dobrado o meu rendimento; segundo, eu arrebentei as minhas costas. Desde pequeno tenho uma zica que se eu faço muita força na coluna, fico todo torto. Para colocar a cereja no bolo de merda, tinham me falado um valor por hora e depois revisaram pra baixo como se eu não tivesse entendido o combinado. Esse tipo de desrespeito é comum por aqui.

Pelo menos em um dia consegui pagar o aluguel da semana, mas dia seguinte eu mal conseguiria levantar da cama. Deixei a ideia de pedreiro de lado e fui tentar a de garçom, onde ganha-se menos, mas usa mais o inglês. Achei que seria inofensivo, mas tive experiências piores que a de pedreiro.

(continua no próximo post)