Passeando com a fala mansa em São Paulo

Era uma noite de inverno paulista, faltavam duas semanas para eu iniciar minha viagem e já tinha dado início às festas de despedida. Meu amigo mais próximo convidou-me para um bar balada recém-inaugurado na capital, onde seria o aniversário de uma ex-peguete dele, que segundo me informou estava querendo voltar. Essa garota é uma modelinho, e por consequência, o lugar supostamente estaria repleto de pessoas do meio dela. Fui lá todo feliz atrás do cardume.

Chegamos à porta e deu uma dor no bolso, pois havia um mínimo de consumação de R$ 150,00. Respirei fundo e pensei “bom, esse é o preço que se paga para frequentar lugares onde vão modelos” e entrei todo feliz.

O lugar era bonito, bem decorado e espaçoso. Só que eu via apenas casais GLS e turma de menines. Comentei com o meu amigo que aquilo estava estranho. Depois de andar bastante finalmente encontramos a mesa da garota. Ela de fato trouxe todos os seus amigos do meio, cabelereiros, maquiadores, modelos homens, casais e apenas uma mulher que se fosse modelo, eu seria o Richard Gere. Detalhe, a ex-pequete do meu amigo estava com um cara. Não entendi um cacete daquilo.

Na mesa havia umas três garrafas quase vazias de vinho e pratos de porções quase finalizados. A aniversariante muito malandra disse que para “facilitar” a conta eles estavam juntando todas as comandas para depois dividir por igual com todos. Eu abomino essa prática quando há mais de quatro pessoas na mesa. Sempre tem o casal espertão da roda que pede a bebida mais cara, toma em maior quantidade, resolve sair um pouco mais cedo e deixa uma migalha de dinheiro para abater do final.

Eu não estava nem um pouco a fim de pagar lanche para pessoas que eu não tinha intenção alguma de agradar ou pegar, e gentilmente falei para ela não se preocupar, pois eu ficaria pouco tempo, já que tinha outro compromisso (mentira) e sairia mais cedo. Obviamente que todos me olharam como se eu fosse um mendigo. Dei a mínima.

Depois desse combo de alegria, falei que ia ao banheiro, dei uma piscada para meu amigo e insinuei discretamente que ele me acompanhasse. Ele não sacou o toque, e sim um dos maquiadores, que fez cara de desejo pra mim. No banheiro me enfiei em uma das cabines com receio que o cara viesse atrás do lado de mim no mictório, e enviei uma mensagem ao meu amigo para nos mandarmos dali assim que finalizássemos nossa comanda. O cara estava puto também pelo fato da garota estar acompanhada.

Meu a amigo e eu juntamos nossa comanda e pedimos uma garrafa de vodka para dar um up e já fazer esquenta para uma balada que iríamos na sequência. Só que vodka é um perigo pra mim, na metade da garrafa ela adormece todos os meus neurônios e fica apenas Tico e Teco batendo cabeça.

A lógica era óbvia, só tinha gay e uma falsa modelo na roda, o que fiz? Pois bem. Mal me lembro do que conversamos.

Acordei em casa com a garota do meu lado. Olhei meu celular e me senti no final do filme Hang Over, em que cada olhada de foto e mensagem revelava o que tinha acontecido.

Havia umas dez fotos com a garota como se fôssemos um casal há anos. Com meu amigo foi ainda mais bizarro. O casal brigou, o cara pegou um dos modelos (sim, “um”, e não “uma”) e meu amigo pegou a garota. Muita informação para meu cérebro ressaquento.

Olhei pro meu lado e a menina parecia um coala dopado. O olho estava todo borrado e a fronha de fio egípcio 400 fios (presente de uma peguete) manchada de preto. Fui tomar banho e fiz questão de colocar o som alto (gosto de ouvir música no banho) para que ela acordasse.

Sai do banheiro, o coala me deu bom dia e me perguntou se daria pra passarmos na casa dela antes de sairmos. Deu um friozinho na espinha. O bobo bêbado ficou apaixonadinho e convidou a garota para que me acompanhasse no passeio que faria por São Paulo no dia seguinte.

Eu nunca fui turista em São Paulo (exceto pelas idas à Sala São Paulo e nos Municipais) e seria uma vergonha ficar um ano fora do meu país e não conhecer as principais atrações da minha cidade natal. Naquele sábado tinha programado de ir ao Masp, Mosteiro São Bento, Praça da Sé, Largo do Arouche, subir no Altino Arantes, entre outros.

Depois de sair atrasado por conta da garota que ficou uma hora pra se arrumar, finalmente fomos ao Masp. Ela não se coçou para pagar a parte dela em nenhum momento, nem o estacionamento.

Finalmente entramos no Masp. Ela mostrou-se o tipo de pessoa inconveniente para ir em museus. Passava correndo por todas as obras e quando parava fazia pergunta idiota só pra mostrar um falso interesse. Somado a isso, ela tinha a fala mansa. Tudo que ela falava vinha na marcha 1, eu sou aceleradinho, aquilo me dava uma preguiça que não raro eu pedia que ela repetisse o que falava.

O ápice foi quando ela sumiu. Estávamos numa parte em que as obras ficam dispostas no meio da sala, sendo algumas com objetos do dia a dia. De repente ela apareceu do meu lado e alguns segundos depois o segurança. O cara puto da vida disse que não podíamos tocar nas obras. Levantei a voz e questionei em que momento eu tinha tocado em algo. O cara retrucou que a garota tinha levantado as garrafinhas de Coca-Cola. Fiquei vermelho e a garota com cara de bunda.

Dentro do carro ela pediu desculpas e assim segui a via sacra pelas atrações de São Paulo com a fala mansa do meu lado. Não bastasse a voz da garota, os assuntos eram chatíssimos. Ela ia passar um mês na França e não parava de falar da viagem um segundo. Só que nada era interessante, ela insistia em falar que Paris deveria “cheirar cultura”, que “respira-se romantismo” e demais frases clichês babacas. Tive vontade de pedir que ela ficasse quieta por um tempo, mas eu não consigo ser grosseiro com mulher. Só que acabei explodindo.

Já tínhamos visitado todas as atrações e eu estava dirigindo para deixar a garota na sua casa, quando ela resolveu do nada fuçar o suporte de óculos do meu carro e quebrou a parada. Ao invés de assumir, disse que já estava quebrado. Não aguentei e acabei cuspindo que nem minha prima de 8 anos daria tanto trabalho em um passeio por São Paulo. Resultado? A garota começou a chorar e eu me senti um merda.

Enfim, apesar desses desgastes, São Paulo é uma cidade que oferece muito mais que baladas e restaurantes. Esses lugares que mencionei são ótimas opções pra sair da rotina e levar um carinha. Claro, desde que não seja um mala (ou fala mansa, ao menos pra mim).