Desventuras na Australia (parte III)

O verão finalmente chegou do outro lado do mundo, mas o inverno da minha vida ainda está demorando pra passar. Após tantas dificuldades que relatei nos dois últimos posts, achei que nada pior pudesse acontecer, mas a vida sempre encontra um jeito de me surpreender.

Começo da semana passada aproveitei que fazia 30 graus em Sydney, peguei minha bicicleta e fui até a praia, um percurso que leva uma hora. Lá aproveitei para deixar alguns currículos em hostels e fui tomar sol. Assim que deitei na areia senti algo de errado com as minhas costas. Depois de algumas horas lendo e descansando, levantei pra ir embora e senti uma fisgada na coluna. Peguei a bike e voltei. Dormi na minha cama pula-pula (tem mais mola que estofado) e acordei completamente travado, com uma dor insuportável. Tomei café tal qual o Joaquim Barbosa do STF e fui até a farmácia.

Lá comprei um anti-inflamatório que me deu uma reação alérgica e ganhei três aftas na boca, uma na ponta da língua que fez com que eu ganhasse um sotaque meio gay. A minha nova cama era o chão do meu quarto até que eu melhorasse (o que ainda não aconteceu). Pelo menos naquele dia eu fui chamado por uma agência de eventos e teria trabalho para o próximo final de semana.

Junto da marola da sorte, um hostel em frente à praia me chamou para um “trial” no dia seguinte. Lá seria uma baita oportunidade, pois além de acomodação eu ganharia um salário e conseguiria praticar outras línguas.

Cheguei no hostel e o gerente parecia uma mistura de Patropi com o Morto Muito Louco. Quando ele não estava brisando, falava coisas completamente sem sentido e/ou desconexas. Ele me levou para apresentar a estrutura do lugar e quase cai duro com a imundice. O lugar tinha o charme do Carandiru, mas habitado por ingleses e suecos (porcos). Era resto de comida e roupa por todos os cantos e a maioria dos quartos cheirava a mofo. Questionei qual era o quarto do staff (ou seja, o meu) e ele disse que variava toda semana, de acordo com a disponibilidade. Ali já dei uma brochada, mas esperei para ver como seria o trabalho.

Patropi me levou pra recepção e começou a explicar a operação do lugar. Fiquei feliz e aterrorizado. Feliz, pois como a minha última experiência na empresa que trabalhava era na área operacional, e já tinha identificado um monte de oportunidade de melhoras por ali sem nenhum custo. Porém, aterrorizei com tanta gambiarra que o cara fazia. Nada era centralizado. Parte das reservas ficava num excel (desatualizado), a outra em um livro e a outra na cabeça dele.

Achei que a bagunça fosse apenas pelo jeito doidão do cara, mas depois observei que ele utilizava a desorganização para fazer reservas sem registro e assim embolsar o dinheiro. Pensei em conversar diretamente com o dono do lugar, mas não iria arrumar essa briga recém chegado no país. Resolvi não ficar lá e seguir na minha busca.

Saindo desse hostel, vi um restaurante brasileiro, entrei e perguntei para a gerente (uma brasileira) se ela estava precisando de garçom. Ela respondeu que lá só trabalhava garçonete, mas que havia vaga na cozinha. Topei e ela me chamou para um trial no dia seguinte.

O dia do trial foi um dos mais quentes do ano, quase 40 graus. A cozinha era minúscula e a minha função qual era? Cuidar das frituras e louça. Juro, devia fazer mais de 45 graus naquele lugar. E presenciei na pele a velha máxima de não visitar cozinha de restaurante.  O óleo não devia ser trocado há semanas, o sal da batata parecia um pó químico que a menor brisa fazia todos na cozinha tossir de tão forte e refinado que era. Quando tirei a louça da máquina, os pratos e talheres continuavam engordurados, mas o “chef” respondeu que era só eu passar um pano que eles ficavam limpo. Visualmente estavam limpo, mas devia ter um monte de zica não visível.

Terminei o trial e fui conversar com a gerente. Ela perguntou quando eu poderia começar. Fiquei feliz, disse que na próxima semana, mas que gostaria de saber o salário. A mulher surtou. Disse que daquele jeito eu não arrumaria nenhum trabalho, onde já se viu eu atrelar meu início ao salário, que devia estar sobrando emprego pra mim e blablabla. Não entendi um cacete, será que eu deveria falar que sonhei a vida inteira em trabalhar numa cozinha minúscula fritando batata e que o salário é apenas um detalhe?

Respirei fundo mais uma vez e mentalizei que fim de semana haveria dois trabalhos bacanas que eu faria para a empresa de eventos.

O de sexta-feira foi legal. Era uma festa de confraternização de empresa e minha função era apenas servir champagne e polir taça. Moleza. Sai de lá feliz da vida, finalmente com grana no bolso e ansioso para o evento no dia seguinte.

Inicialmente o evento do sábado era um dos maiores festivais de música eletrônica da Australia. Mas um dia antes me realocaram para o show da Taylor Swift e no último minuto realocado para um evento de Motocross. No lugar só tinha homem esquisito e motoqueiro bebum. Ali eu iria trabalhar como caixa.

Uma das mentiras no meu currículo é que eu tinha experiência em caixa. Poxa, não seria tão difícil inserir o pedido no sistema, pegar o dinheiro e dar o troco, mas foi.

Eram apenas dois caixas e assim que cheguei a minha supervisora perguntou onde estava o meu dinheiro. Estava quase falando que na minha carteira, dentro da mochila, mas por sorte ela falou logo na sequência que eu precisava ir até o escritório pegá-lo. Era o dinheiro trocado para colocar no caixa. Peguei o dinheiro e comecei a trampar.

O sistema não era difícil de operacionalizar, mas sempre que alguém saia do convencional (como pedir para mudar o pedido depois que fechou a compra) eu tinha que consulta-la e sempre era um tormento. Ou ela respondia com grosseria ou não sabia e eu tinha que me virar.

Passavam-se as horas e o pessoal ia ficando bêbado e o sotaque mais carregado. A pressão pra entendê-los, uma supervisora mal educada do lado e horas em pé lidando com dinheiro foi mais uma lição de vida. O fechamento de caixa deu tudo certo e voltei pra casa morto.

Dia seguinte eu só queria ir pra praia,  beber e esquecer todos os perrengues. Fui com uma amiga do Brasil mais uns brasileiros e gringos. Acabei bebendo umas duas garrafas de vinho branco e fiquei pra lá de Bagda. Já era quase 20:00 quando eles decidiram ir para um barzinho, e eu achei melhor ir pra casa. Dormi dentro do trem e fui parar quatro estações de onde eu deveria descer.  Como o bairro que moro há uma limitação de trens no fim de semana, o que eu estava era o último daquela noite e tive que pegar um Uber pra voltar pra casa. Por sorte todos em casa dormiam, mas acordei as 5:30 da manhã com a cabeça explodindo e uma das crianças na casa chorando porque o fim de semana tinha acabado. Por pouco não abri minha porta e fui chorar com ele.

______________________________

Essa semana volto com a programação normal do blog. Sugestões, rapidinhas do cafa, sexta das leitoras? Só mandar para cafa@manualdocafajeste.com