Crise dos 30

Depois da volta ao mundo tenho refletido bastante sobre minha vida, ainda mais agora na casa dos 30 em que se espera que ela esteja “encaminhada” e definitivamente, no meu caso, está longe disso.

Na real, logo que nascemos recebemos um script da sociedade. Basicamente é: estude, entre em uma boa faculdade, tenha um bom estágio/emprego, encontre um bom parceiro, case, compre uma casa/apartamento, tenha filho(s) e morra. Pronto, sua vida teve sentido.

Só que hoje, quando você chega na casa dos 30, e tem algo na cabeça, esse script começa a ser questionado. Na minha opinião,  ele faz sentido apenas nas duas pontas, estudar e morrer. Quando você estuda, (e isso não significa apenas estudar no sentido acadêmico, mas ter curiosidade sobre o desconhecido, ler sobre diversos assuntos) sua mente expande e você passa a ver o mundo e as relações de uma forma mais madura e consciente, sem cair em padrões de comportamento que aquele seriado americano idiota apenas replica.

Já imagino muitas me questionando se não é bom entrar numa boa faculdade, ter o homem dos sonhos, um puta emprego, comprar um apartamento, ter filho e tal. Até é, mas o problema é perseguir algo apenas pra cumprir um objetivo que as vezes não faz sentido para você, apenas social. Além disso, há o risco de frustrar-se tentando alcançar algo impossível e/ou com um custo emocional e financeiro alto.

Falarei um pouco sobre minha experiência em cada um deles. E não, não virei um riponga esquerdista que acredita que o sentido da vida é se enfiar numa comuna e fumar maconha pra se aproximar de Jah (apesar de eu adorar Bob Marley).

Vamos lá:

Entrar numa boa faculdade – Esse é o primeiro desafio que nos cobram. Pra você despontar entre os demais, é fundamental entrar na ~federal / estadual~ ou naquela faculdade particular de ponta. Só que tomamos a decisão de escolher nossa profissão, quando mal temos discernimento e maturidade para qualquer escolha de longo prazo. Ai não raro há um número absurdo de pessoas que abandonam a faculdade, outras que desistem da carreira após anos ou que vivem amarguradas em um emprego odioso, mas que sustenta um bem estar material/social.

Não sou contra a faculdade, mas um número considerável de pessoas “bem sucedidas” (que na minha opinão são “felizes no que fazem”) não se graduaram.  E na minha experiência, meus companheiros de classe “bem sucedidos” hoje, eram medianos (ou péssimos) alunos. Quando eu era diretor na agência que trabalhava, os melhores funcionários que tive e os mais promissores não eram da faculdade A, mas da B. A faculdade na real não fazia muita diferença e sim a garra da pessoa, que normalmente faltava nos alunos da faculdade A.

Ter o homem dos sonhos – Esse ideal sempre foi reproduzido pela Disney nas suas princesas, que eram sonsas, dependentes e medrosas. Agora eles deram uma evoluída no padrão, mas o ideal de encontrar a cara metade ainda segue (por mais que seja um ogro verde fofo). Mas veja ao seu redor, seus pais, os pais dos seus amigos, casais de amigos, quem tem o homem dos sonhos? Muito menos da metade e pode ter certeza que nesse grupo “privilegiado” há apenas aparência.  Então coloque na cabeça que seu príncipe não existe, se existir será por um prazo e se você tiver muita sorte, mais muita sorte o prazo será longo (e nessa esperança todas as mulheres se agarram).

Um puta estágio/emprego –  Nos últimos anos da faculdade eu consegui aquilo que todos chamavam de “puta estágio”. Era numa multinacional americana que pagava uma baita grana para estagiário, mas era um baita trabalho de macaco. Depois de um ano e meio lá, comecei a ter bruxismo, engordei horrores, passei a ter pesadelos terríveis e vi que eu estava me prendendo em um lugar que eu odiava apenas por conta de um salário e status. Foi então que tomei a decisão de ir para uma agência brasileira onde eu seria o primeiro funcionário. Na época meus colegas de classe desestimularam, minha família ficou preocupada, meu mentor profissional sugeriu que eu pensasse melhor. Porém, segui meu instinto, acreditei e virei diretor. Só que, após 6 anos, quando aquele sonho começou a virar um pesadelo, o peso do “puta emprego” me manteve numa inércia que só mudou, quando eu me dei conta que novamente eu estava preso a um lugar por conta de um status social e material, como eu já falei em um post aqui.

O ponto é, eu tive um puta emprego não porque eu queria ser diretor, mas porque eu gostava do que fazia e o puta emprego foi consequência, não causa. Muitos profissionais que conheci buscavam um cargo e não uma realização profissional, ai a receita da infelicidade é certa, pois há centenas de outros querendo chegar no topo da pirâmide que só cabe um.

Comprar um apartamento – Se você não recebeu um pai-trocínio ou não pertence  a uma minoria da população, você não tem a mínima condição de comprar um apartamento/casa a vista (a não ser que seja uma palafita no interior do sertão). O sonho da casa própria vira um programa (ruim) da Dilma, e ai ou você assina um contrato quase escravocrata para financiar o apartamento em 532 anos ou fica pagando aluguel e muitas vezes jogando dinheiro no lixo. Tive uma educação fortemente lusitana e sempre fui incentivado a comprar um apartamento, mas não cedi e tudo o que sobrava de salário eu investia no banco. Se fosse seguir o conselho dos outros, mesmo que eu comprasse um apartamento, o aluguel desse imóvel seria metade do que consigo de rendimento hoje nas minhas aplicações.

Ter filho – Ser pai/mãe deve ser o máximo, mas colocar um filho no mundo hoje não é fácil. E isso não é um clichê de conversa de elevador. Veja o histórico da sua família e entenderá o que quero dizer. Meu avô, por exemplo, veio de Portugal sem nenhum estudo, virou estivador e teve onze filhos. Não tinha uma vida luxuosa, mas criou os onze numa boa. O meu pai conseguiu se formar na faculdade e mesmo com um inglês que aprendeu em fita K7, formou-se engenheiro, mandava muito bem no que fazia e conseguiu dar uma vida confortável para sua família.

Eu tive um emprego melhor que o do meu pai e mesmo com o salário que eu ganhava, eu jamais conseguiria manter dois filhos com todos os benefícios que meu pai proporcionou.  Hoje, eu não teria filho se tivesse que passar necessidade ou não ter condição de fazer o que mais gosto, que é viajar.

Como eu disse, não quero passar a mensagem aqui que defendo uma ruptura do modelo social, só que esse modelo está com defeito e a ferramenta pra arrumar não está em livro de auto-ajuda, nos conselheiros pessoais, ou no último nobel de Economia, mas em você. Cabe apenas você fazer uma autocrítica e lá dentro, sem ninguém julgando ou dando conselho pensar “É, eu estou satisfeita”.  E talvez tudo o que falei seja uma bobeira pra você.

Retomando o último ponto, todos iremos morrer. Eu quero chegar no final da trilha, olhar pra trás e pensar “Foi do caralho”. Sempre quando hesito nas minhas decisões ou tenho receio do futuro, penso em um poema do Robert Frost. Deixarei o final dele, se quiserem ler o integral, só clicar aqui.

“Isto eu hei de contar mais tarde, num suspiro,
nalgum tempo ou lugar desta jornada extensa:
a estrada divergiu naquele bosque – e eu
segui pela menos viajada,
e foi o que fez toda a diferença”