Desventuras na Australia

Desculpem o sumiço, mas ultimamente ando sem tempo e inspiração pra escrever sobre relacionamentos. As minhas primeiras semanas na Australia não foram fáceis e até hoje ainda mato um leão por dia para recomeçar a vida. Preciso desabafar um pouco e por isso escreverei sobre o que rolou recentemente. Já aviso que o post de hoje não tem romance.

Mentira. Até tem um pouco de romance. Deixei no Brasil uma pessoa que curti bastante e fazemos planos de nos reencontrarmos em breve, por isso estou no modo inativo do outro lado do mundo. Mas não por isso que meus dias tem sido menos tumultuados. Tudo começou antes mesmo de embarcar.

Um dia antes da viagem me dei conta que a empresa de seguro de saúde (item obrigatório para entrar na Australia) fez lambança na minha reserva e eu estava descoberto por duas semanas. Tentei entrar em contato com eles, mas era uma sexta-feira a noite e o escritório já tinha fechado. Peguei o avião com o risco de ter dor de cabeça na alfândega e não conseguir entrar no país.

Tentei relaxar no avião, mas a todo momento vinha na cabeça a preocupação com a fronteira. Depois de uma hora de vôo, tentei relaxar e pedi duas garrafinhas de vinho. Coloquei meu sapato embaixo do banco da frente, estiquei as pernas e coloquei uma música pra descontrair. Tava gostoso. Mas de repente começou uma muvuca de comissários na minha frente, sendo que um deles trazia um cilindro de oxigênio. A senhora que estava na poltrona da frente apagou. Uma das comissárias pediu a gentileza que eu saísse da minha poltrona para ajudar na movimentação e quando eu peguei meu sapato, estava embebido em vomito da mulher. Morrendo de nojo sai correndo para lavá-lo no banheiro, mas era de camurça e a senhora tinha vomitado vinho. Não aconteceu nada com a velhinha, acho que passou mal com o vinho, já eu pisei na Australia com os pés sujos.

Por sorte a polícia não me parou, nem questionou os pés-de-moleque e espumante que eu trazia para a família que me hospedaria. Que vale uma menção à parte.

Eu estava procurando apartamentos para dividir, mas uma amiga disse que a melhor coisa seria ficar em algum lugar provisório para que de lá eu fosse fazer vistorias no lugar definitivo. Por recomendação dela, que já tinha ficado com essa família, acabei me programando pra passar um mês com eles. A experiência tem sido boa, mas com seus altos e baixos.

Eles são um casal na faixa dos 40/50 e possuem dois meninos na casa dos 10. Assim que cheguei, fui todo feliz dar pés-de-moleque como se fosse uma grande iguaria e ao olharem o doce, agradeceram com um riso amarelo e nunca ninguém tocou (só eu escondido para acompanhar meu café da tarde). Depois descobri que a minha amiga já tinha levado o doce certa vez e ninguém gostou por ter muito açúcar e grudar no dente.

Com o espumante foi um pouco pior. No dia seguinte eles fizeram um jantar para receber um casal de amigos mega finos e expert em vinhos. Eu tinha comprado o espumante no Brasil, em uma loja especializada , mas deixei-me levar pela opinião da vendedora, não olhei o rótulo direito e só me dei conta da porcaria que tinha comprado quando ao servir, as bolhas pareciam de água com gás e o gosto de suco de uva. Novamente risadinhas amarelas foram dadas e a convidada mal bebeu.

Passado esse trauma inicial, comecei a me entrosar melhor na casa. A “mãe” cozinha incrivelmente bem, é muito gente boa e pelo menos duas vezes por semana há festinha na casa deles ou de alguém da vizinhança para beber e conversar. Uma excelente oportunidade para afiar o inglês, integrar e fazer amizade.

Porém, as vantagens acabam por ai. Por mais que eu tenha o meu quarto e pague uma grana semanal, eu preciso seguir o ritmo da casa. Isso quer dizer, acordar as 6:30 da manhã com criança brincando, jantar as 18:30 (e morrer de fome as 21:00) e ter que ir deitar as 22:00 pra não fazer barulho. Fica difícil escrever nesse ritmo.

Como disse, estou inativo sexualmente, e nem sozinho eu consigo me aliviar. O banheiro e meu quarto não possuem tranca, logo não dá pra correr o risco de uma criança me pegar descascando banana. Resumindo, estou há 3 semanas castrado e com o risco iminente de uma polução noturna.

Mas acordado consigo me conter. O meu foco é encontrar um emprego e uma casa com pessoas da minha idade/situação, depois resolvo a abstinência. Só que até casa e emprego são um desafio a parte.

O problema com a casa é que estamos em alta estação e o preço do aluguel sobe absurdamente, mas com trabalho isso dá pra resolver. Só que isso é o que mais pega.

Sair do Brasil com um visto de trabalho australiano é tão raro como alguém vomitar no seu sapato e você lambuzar os dedos em vômito alheio. A diferença é que apenas o segundo aconteceu comigo. Nenhuma empresa patrocina alguém a distância sem conhecer o trabalho dela.

O caminho mais fácil é entrar com um visto de estudante, que permite trabalhar 20 horas por semana, e ai mostrar serviço nesse período e achar uma boa alma que pague o visto de trabalho. Com esse visto, é mais que meio caminho andado para pegar uma residência e cidadania.

Meu inglês está muito bom, mas quero deixa-lo excelente antes de aplicar para vagas na minha área. Por isso, estou buscando qualquer emprego braçal que me permita praticar o idioma. Além disso, um dos objetivos que estabeleci desde que sai do Brasil é não tocar nas minhas economias, então arrumar um trampo e zerar meus custos é o meu esforço diário.

A primeira oportunidade surgiu para ser pedreiro. A ideia inicialmente não me agradou, pois imaginem de diretor de operações há um ano e pouco, agora virar pedreiro no exterior. Porém, viver fora do país requer um exercício constante de humildade e quebra de preconceitos. E aquilo que não mata, vira experiência de vida. Lá fui eu pra obra.

Era uma baita mansão e no fundo havia uma montanha de terra. Eu era o único pedreiro no lugar e a missão era espalhar aquela montanha ao redor da casa em dois dias. Mentalizei que aquilo seria uma boa academia e eu ainda receberia pelo exercício. Coloquei uma música, tirei a camisa e fui com sangue nos olhos. No final do dia eu tipraticamente finalizei o trabalho de dois. Estava orgulhoso da minha produtividade, mas foi uma tremenda estupidez por dois motivos.

Primeiro que o pagamento é feito por horas trabalhadas, ou seja, eu poderia ter dado uma enrolada e dobrado o meu rendimento; segundo, eu arrebentei as minhas costas. Desde pequeno tenho uma zica que se eu faço muita força na coluna, fico todo torto. Para colocar a cereja no bolo de merda, tinham me falado um valor por hora e depois revisaram pra baixo como se eu não tivesse entendido o combinado. Esse tipo de desrespeito é comum por aqui.

Pelo menos em um dia consegui pagar o aluguel da semana, mas dia seguinte eu mal conseguiria levantar da cama. Deixei a ideia de pedreiro de lado e fui tentar a de garçom, onde ganha-se menos, mas usa mais o inglês. Achei que seria inofensivo, mas tive experiências piores que a de pedreiro.

(continua no próximo post)